Sofrida em silêncio

Crédito: Lauro Jose Cardoso

Uma vez ouvi dizer que são nossas escolhas que nos define, mas eu digo que nem sempre as nossas escolhas nos leva a liberdade ou a felicidade que todos nós procuramos. Essa história não é só minha, mas é de todas as mulheres que sofrem em silêncio.

Eu era a menina mais feliz do meu bairro, amada e respeitada desde as crianças até os mais velhos, ninguém me segurava. Eu gostava de dançar e de contar piadas, também gostava de cantar. Sou filha única dos meus pais, vim de família humilde e eu era livre que nem pássaro, podia pousar onde eu quisesse,até que um dia minha vida se tornou um verdadeiro inferno.

Na minha festa de 20 anos, conheci um rapaz, pelo qual me apaixonei, mais tarde agente se casou, foi aí que o terror começou! Eu nunca pensei que um dia minha vida daria essa reviravolta (sim sibi ba nkana casa). Tudo começou com gritos, até chegar nas pancadas, ele me batia só nas costas e na barriga, onde ninguém pudesse ver.

Na primeira vez que ele me bateu, horas depois me pediu desculpas, dizendo que não ia acontecer novamente, eu ingênua, acreditei em suas palavras.Menos de dois meses depois, me bateu novamente faze mesmo ritual de pedir desculpas “como eu não sabia que aquelas desculpas eram para me calar” e passou a ser constante.

Muitas das vezes eu chorava de boca fechada para que os meus vizinhos (nta burgunho) não escutassem meu choro. Ele me gritava: “Cala boca, se não vais apanhar mais!”. Eu não contava nada para ninguém, mesmo que me perguntassem.

_ olá Nadité, estás pálida que estás passando contigo?

_ nada, mana Andreia, estou só um pouco cansada.

Já não cantava e nem dançava mais, muito menos contava piada. Minha vida se tornou sem sal, a única coisa que me mantinha viva era falta de coragem de me matar e não é que não tentei, acredite, tentei várias vezes!

Havia dias em que eu acordava com vontade de ir embora e nunca mais voltar, mas não sei explicar o que me impedia de pegar o táxi, já não me reconhecia no espelho, olhava e não me reconhecia. Muitas das vezes, ele me batia até perder o fôlego e me deixava ali no chão. Eu, como um bicho, tremia sem poder pedir socorro.

Como eu poderia pensar que meu marido bateria em mim? (lágrimas)-Até chegar ao ponto de minha vida estar em risco. Não podia explicar algo para ele, que ele logo dizia que eu estava desafiando ele e já era motivo para ele me bater.

Quantas vezes ele dormia fora de casa. O contrário, não podia acontecer, pois se eu ficasse fora de casa sozinha, sem ele, era motivo para ele me bater. não podia andar com minhas amigas solteiras, porque ele as consideravam vagabundas. Assim, eu só podia andar com as amigas dele, que eram casadas.

Muitas das vezes ele falava mal de mim para seus amigos, mas eu não reclamava por medo de apanhar. Às vezes quando íamos para festas, apenas ele podia dançar com outras mulheres e eu não podia dançar com ninguém além dele, se eu o desafiasse, já sabia o que iria acontecer quando chegássemos em casa.

Quando estava em público fingia que era o melhor marido do mundo, fazia declarações de amor e me apertava sem que ninguém percebesse para que eu sorrisse, afim de fazer com que todo mundo pensasse que éramos o casal mais feliz ( nem tudo que brilha é ouro). Às vezes me pergunto que tipo de amor é esse? Lembro que uma vez contei para meu pai e ele não acreditou em mim.

__ meu pai, já não quero meu marido!

__ que absurdo estás a falar!

___ pai estou cansada de apanhar, não quero mais!

__ para de mentir, que o seu marido é um bom rapaz!

__ pai o senhor não o conhece da mesma forma que eu o conheço.Ele tem duas personalidades: uma em que ele posa de bom marido e a outra, que é a verdadeira

personalidade dele, um monstro.

— minha filha me escuta! Não sei quem está metendo essa coisa na sua cabeça, pois nós temos sorte de você ter se casado, isso mostra que és uma mulher de respeito.

Depois das palavras absurdas que meu pai me disse ( na época achava que meu pai tinha razão, porque acreditava que o respeito da mulher era o casamento.Voltei para casa e desisti de divorciar, porque que era o melhor a fazer na época.

Com tudo isso tinha uma vizinha que acompanhava a minha vida, mas nunca me perguntou de nada e nem me ofereceu apoio, até que um dia me chamou e me disse

__ Nadilé, porque permites que seu marido te maltrate desse jeito? Você não é propriedade dele, para deixar que ele faça o que bem quer contigo.

Essas palavras ficaram na minha mente (não importa se a sua palavra vai mudar a vida de uma pessoa ou não, mas vale a pena jogar a semente, e aquela mulher deixou uma semente na minha mente). Eu não parava de pensar naquelas palavras, até que um dia tomei a coragem e prometi para mim mesma que nunca mais iria levar uma surra do meu “marido”. Resolvi procurar por essa Mulher que se chamava Tchiquita.

_ boa, Tchiquita, tudo bem?

_ estou bem obrigada e você?

__ estou bem, não sei se a senhora tem um tempinho para agente conversar, é que estou precisando muito conversar contigo!

__ sim,minha querida pode falar, o que está te incomodando?

___ desde a nossa última conversa, não paro de pensar no que a senhora me falou!

__ Ah_sim,querida! como te falei,és dona da sua vida e nunca deixe nenhum homem te tornar propriedade dele. Caso precise de ajuda, estou aqui, mas aproveito para te convidar para nossas reuniões que acontecem todas as sextas-feiras, na Escola titina sila.

_ tudo bem vou comparecer sim, muito obrigada Tchiquita!

_de nada Nadile, pode contar sempre comigo!

Foi assim que comecei a frequentar as reuniões. Nas primeiras semanas, não falava nada, ouvia aquelas mulheres debatendo e procurando as melhores formas de se empoderar e como empoderar outras mulheres vítimas de violências física e moral nos espaços domésticos. Também debatiam sobre o machismo e sexismo que imperam nos espaços públicos, sobre classe e raça. Entretanto, eram tantas coisas! Cada semana era um tema diferente, mas cada dia que saía das reuniões, eu me sentia esperançosa e com vontade de lutar por mim mesma. Sabia que era a única pessoa que podia me salvar. Foi assim que decidi enfrentar o meu pai e a sociedade.

Depois de me divorciar, me tornei membro de grupo das mulheres feministas africanas, na qual venho trabalhando contra violência que atinge as mulheres.

Quero deixar uma mensagem para você que está lendo minha história: Jamais permita que ninguém te aprisione, nunca esconda que alguém está violentando você, não se sinta com vergonha, escolha sempre o caminho da voz, pois é onde sua força está, quebre o silêncio sempre que for necessário.

Naentrem Sanca 

1 Comentário

  1. Meus parabéns tutora, amei 👏 sabemos que é uma história parecida com a que muitas e muitos conhecem e remetem simplesmente em cilencios também. Precisamos quebrar essa drástica situação que as mulheres enfrentam. Força👏 tamos juntas 😘

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